domingo, 5 de dezembro de 2010

A farsa

     Josefa e mais três irmãos ficaram órfãos de pai e mãe.  Cada um foi adotado por uma família.  Josefa, a mais velha, com quatorze anos na época, ficou morando com a família dos Andrades, ex-patrões de seus pais.  De lá nunca mais saiu.
     Apesar de esperta e inteligente, não houve meio de continuar os estudos. Seu Armando e Dona Cinira fizeram de tudo.  Ela preferiu trabalhar na Casa Grande, ajudando os demais funcionários.
     Josefa é vaidosa e  preocupada com sua aparência.  Usa os cabelos sempre presos.  Não gosta de vê-los soltos, porque, segundo ela, são "carapinhados".   Os lábios grossos são vermelho-carmim.  Seu sorriso franco e aberto, colocam a mostra teclas de marfim.
     Troca de uniforme dia sim dia não.  Branquinhos como leite.  Sente orgulho ao contar como faz pra lavá-los; é um ritual: primeiro esfrega a peça com água e sabão em pedaço; estende na grama ao sol pra alvejar, volta a esfregar com água e sabão e, aí, quando você pensa que está pronta pra ir ao varal, coloca a peça numa bacia grande cheia de água azul.  Ela diz que usa uma pedrinha chamada anil que é dos tempos de antigamente, quando não existia nem sabão em pó nem amaciante.  Diz ainda que sabão em pó não deixa o branco mais branco como falam na t.v.  Bem, ela não acredita  nos anúncios, nem se deixa enganar por eles.  Mas olha, até acho que ela tem razão quanto ao uso da pedrinha mágica azul, pois o uniforme dela é o mais branquinho de todos.  Mas a danada não conta pra ninguém onde compra essa pedrinha.  Clotilde, a cozinheira, já procurou e contunua procurando, mas nada de achar.  Serafina, a responsável pela arrumação da casa acha que Josefa prepara ela mesmo esse tal de anil. 
     Era janeiro e os Andrades viajaram pro exterior a negócios e ficariam fora durante um mês e até mais, se preciso fosse.  Josefa ficou responsável pela administração da casa e das correspondências.
     O rapazinho do correio passa todas as tardes no mesmo horários  e Josefa já deixa passado aquele cafezinho gostoso e o bolo que não pode faltar.  Cada dia prepara uma receita diferente.  Leva cada bronca da cozinheira que se acha dona da cozinha.  
      Nesse dia havia apenas uma correspondência: era um envelope grande endereçado ao casal  Sr. e Sra. Andrade.   Não tinha o nome do remetente e em letras garrafais lia-se "URGENTE".
     Josefa olhou o envelope, leu, releu e guardou junto aos demais.  Mas aquele URGENTE não lhe saía da cabeça.  Pensou nele o dia todo; à noite nem conseguiu dormir.  Abro, não abro.  Abro, não abro.  Toda essa dúvida porque não tinha autorização pra abrir correspondência.  Mas aquela era diferente.
     Num ímpeto só, pulou da cama feito canguru, foi até o escritório e abriu o envelope.  Era um convite ao casal Andrade para um evento muito especial, ao qual, em hipótese alguma, poderiam faltar.  Lá em baixo no cantinho esquerdo estava a seguinte observação:  "se não for realmente possível o compareccimento, entrar em contato pelo telefone 3872-1122.
     Josefa sabia que eles não poderiam voltar naquela data e achou melhor nem telefonar.
     Dona de imaginação fértil, já pensou rapidinho como resolver.
     No dia marcado para o evento, às vinte horas em ponto, em frente à residência dos Andrades parou um taxi e entrou nele uma mulher elegantemente vestida, jóias autênticas e cabelos presos com presilha swairowiski.
     Em pouco tempo, em frente a um casarão fartamente iluminado, com seguranças por toda parte, desce do taxi um casal "hollywoodiano".  Na recepção, dois seguranças recebem os convidados, conferindo nome por nome numa extensa listagem.  Lá dentro muita gente fina. Os homens todos de smoking e as mulheres, certamente, com roupas de grife.  Um luxo só.
     Um jantar de gala foi servido ao som de piano.  A nossa mulher elegante saiu-se muito bem.  Só exagerou nas taças de vinho.  Falou e riu pouco mais que os outros, entretanto não perdeu a classe.   Tinha tomado vinho uma vez só e nunca mais.
     Ao término do jantar, os convidados foram encaminhados a um salão todo decorado com flores brancas.   Não sabiam ainda porque estavam ali.
     À frente, num pequeno palco, um jovem elegante, microfone nas mãos, saudou a todos:
     __ Este evento está sendo patrocinado pela Editora "Soler" para homenagear três escritores selecionados por uma banca examinadora, após pesquisa feita com muito critério: dois deles escolhidos pelo importância que conquistaram no universo infantil.  O terceiro é uma revelação. Escreveu seu primeiro livro e a primeira edição, uma produção independente, já está esgotada. 
     Ouviam-se bochichos por todos os lados.    E  parecia que ali ninguém conhecia ninguém ou então se comportavam como tal.
     O primeiro escritor foi chamado e aplaudidíssimo.  Houve choro e muita emoção.
     Com o segundo, tudo igual. 
     Os dois ganharam, além de um troféu, uma boa soma em dinheiro.
     Antes de anunciar o escritor revelação, o apresentador fez um certo suspense,  teceu-lhe muitos elogios e uma promessa da "Soler" de contratação, a partir de então.   Finalmente anunciou:
     __ Venha ao palco a Senhora Cinira de Andrade.
     Josefa, queria morrer naquela hora; não podia acreditar... Ficou branca, um frio gelado  desceu-lhe pela espinha, o coração acelerou e as pernas tremeram.  Ficou cega por segundos. E pra completar, ganhou um beliscão de doer do irmão que a acompanhava.
     __Sua doida!  Eu só podia esperar encrenca de você, mas não podia imaginar uma desse tamanho!
      Num repente, Josefa levantou-se, cabeça erguida e pisando firme, caminhou até o palco.
     __ Seja o que Deus quiser! A burrada já está feita.  Vamos em frente!  Josefa não foge da raia! __ Falou baixinho.
     O irmão fechou os olhos e pensou em virar sorvete e derreter ali mesmo.  Não queria ver mais nada.  Saiu de mansinho e fugiu do local.
     Todos se viravam pra conhecer a nova escritora.  A escritora que conseguira realizar uma proeza:  vender tantos livros mesmo sem ser conhecida.
     Josefa chegou ao palco, recebeu troféu e  prêmio sem titubear.  E ainda fez um discurso.  Falou palavras bonitas. A sorte é que ela gostava muito de ler.  Fora incentivada pelos Andrades desde pequena. Na sua cabeceira havia sempre um livro. 
     Repórteres de jornais importantes e de tvs cercaram-na e lá vinham perguntas e mais perguntas.  Respondeu a todas.  Nem gaguejou. Fez poses várias para os fotógrafos.  Roubou a atenção de todos pela desenvoltura, simplicidade e beleza.
     No dia seguinte, quando apanhou o jornal lá no jardim, na primeira página, a manchete era:
                                             "CÍNIRA DE ANDRADE"
                          a escritora revelação, teve ontem seu momento de glória."
     E,  ao lado, quase do tamanho da página, estava a foto de Josefa segurando o troféu.
    
    

(Atividade sugerida:  Criar três personagens e embaralhar descrição, características, trama,
                                   enredo)
Texto criado por:  Hirtis
    

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HIRIS LAZARIN