terça-feira, 31 de maio de 2011

O causo do italiano Ninim

     Seu Ninim é um dos muitos italianos que fugiram da Europa para o Brasil após as duas grandes guerras mundiais.                                                                           
     Chegou casado com Dona Rosina e como tantos outros imigrantes instalaram-se numa fazenda cafeeira num dos "cafundó" de São Paulo.
     Tiveram três filhos homens e depois de muitos anos de trabalho...muito suor... e muita economia compraram alguns alqueires de terra do ex-patrão; após a morte da esposa, ali vive até hoje com o filho mais velho, Toninho, casado com Dona Ivone e mais três netos.                                       
     Ao completar oitenta anos, já com a vista cansada e as pernas que não ajudavam mais, foi forçado a deixar a labuta.  Foi um momento de decisão bastante difícil, orgulhoso da boa disposição e destreza pra lidar com a roça, as ferramentas e os animais.
     Todos os negócios ficaram por conta do filho.  Com dinheiro, fazia tempo que seu Ninim não lidava mais.  Não conseguiu acompanhar e nem compreender tantas alterações na nossa moeda.  Não sabia mais o que custava caro e o que era barato.  Só dava conta dos contos de réis e do cruzeiro. 
     Todos da casa trabalhavam na lavoura do algodão e cultivavam um "cadinho" de arroz e outro de feijão para consumo próprio.  E conforme pensamento de seu Ninim, em sítio de italiano "num pode fartá" um bom galinheiro com um galo bem macho "pra dá conta das galinha".  Elas têm a obrigação de "botá ovo bão tudo dia", gema bem amarelinha "pra dexá tudo mundo fortinho".  E "pra cumê" só os frangos-machos.
     O chiqueiro cheinho é de onde sai todo mês um porco graúdo "pra num dexá fartá" carne, linguiça, torresmo e banha.  Dá gosto ver as fileiras de linguiça penduradas na cozinha.
     No pasto estão algumas cabeças de gado e uma vaca leiteira.  Tirar leite da Mimosa seu Ninim não abriu mão e todo dia, por volta das seis horas da manhã, lá vem ele com o caldeirão cheinho de leite.
     Ah! Ia me esquecendo da horta. Zequinha, o neto mais velho, cuida dele com muito jeito.  Aprendeu tudo com a "nona" Rosina.  E dela saem todos os dias "foias verdinha" e tempero pro almoço.
     Quer ver o "zoinho" de seu Ninim brilhar?  É quando Dona Ivone faz a polenta quentinha "se esparramá" no "fondar", acompanhada de uma fritada de linguiça purinha de carne de porco.
     Do tempo de seu Ninim só ficaram dois italianos, seu Pedro e seu Gijo, moradores de Iberê, cidadezinha próxima do sítio, não dá mais que oito quilômetros de distância.
     Iberê não foi pra frente, não cresceu como se esperava, rodeada que era de fazendas cafeeiras.
O café prometia fartura e progresso, mas não durou muito e foi se acabando.  A terra já não era mais tão fértil, as despesas para o cultivo eram altas, os juros bancários elevados, sem contar que o cafezal só produz frutos a partir do quinto ano de seu plantio.  E durante todos esses anos o agricultor ia se virando como podia.
     Os italianos primeiros foram morrendo e a grande maioria dos descendentes se deslocaram pra cidade grande.
     Iberê ficou pra trás com a igreja matriz no centro, rodeada por um jardim bem cuidado, a prefeitura, o correio, a CEF, um comércio bem simples e a casa lotérica, onde todos faziam a sua "Fezinha".  Até seu Ninim.
     Quase toda semana seu Ninim pegava sua charrete velhinha atrelada à égua Pampa, sua xodó, e tocava até Iberê bater papo com os dois amigos.  Passavam horas recordando os bons e velhos tempos, bebericando aquela "pinguinha braba", a "mió" do boteco de seu Osório.
     Naquele dia seu Ninim não chegava em casa.  A família toda preocupada estava de prontidão no terreiro e Toninho já estava com o cavalo atrelado.  Mas eis que lá na virada da curva aparecem seu Ninim e a égua.
     Ela caminhava lentamente, mais que de costume, respirava com dificuldade, parava um pouquinho, tomava fôlego, parecia que não ia chegar.  Mas chegou...
     Pudera!  A carroceria estava carregada de caixas empilhadas, tamanhos diversos.  Eram muitas, nem dava pra contar...
     Seu ninim "apeou" tranquilo, não deu explicações nem permitiu perguntas e ordenou que as caixas fossem levadas pra dentro de casa.
     Estava cansado e foi dormir bem cedo.
     Os familiares sem saber de nada passaram quase a noite inteira contando dinheiro. E eram só notas de cem reais.
     Amanheceu.
     O italiano chamou os familiares e falou calmamente diante da grande surpresa de todos:
     __Toninho, vá até Iberê, passe no banco e traga as "otras caxas que ficaro lá.  Num é que na semana passada, eu acertei os número da Sena?"

(Texto criado por Hirtis)

sábado, 21 de maio de 2011

Vou contar um causo

     Era domingo.  Brincavam na fazenda do vovô um rapazinho arretado que dizia não ter medo de nada e dois primos seus medrosos de causar dó.
     Naquela semana chegara no pasto, trazido lá das bandas das Minas Gerais, um cavalo orgulhoso e selvagem.  Se alguém dele se aproximava, dava coices e, apoiado nas patas traseiras, quase sentado, empinava as patas dianteiras bem lá pro alto impondo medo e respeito.  Vovô até já contratara um peão pra domá-lo.
     Ninguém ousava chegar perto.  Ninguém não...  Foi desafiado pelo menino  corajoso e sem juízo.  Como quem não queria nada foi se aproximando do animal.  Devagarinho... bem devagarinho.
Olhos fixos nos olhos da fera.  O animal foi se acomodando... se acomodando... Parecia hipnotizado.
     Num impulso violento e rápido o menino saltou, enlaçou as pernas nas ancas do animal e cravou-lhe na pele o salto da botina velha e carcomida pelo uso e pelo tempo.
     O animal nervoso deu um pinote mais alto que todos os outros e saiu galopando desenfreado pasto afora.  Fora desafiado e não gostara disso nem um pouco.
     Entrou no brejo, escorregou no barro, embrenhou-se no mato, saltou sobre montes de galhos secos, fez de tudo um pouco.  Não conseguiu desvencilhar-se da companhia indesejada e intrusa.  Não podia aceitar esse desafio.
     Nessa corrida maluca surgiu a frente um obstáculo maior que todos, uma cerca bem alta feita  de arame farpado.  Parecia que não ia dar tempo; o cavalo não exitou, voou alto feito um gavião e caiu sobre as quatro patas no outro lado do terreno.  Sacolejou pra direita, pra esquerda, relinchou bem alto feito um Titã e vitorioso desapareceu no meio do mato.
     O menino ficou estendido no chão sangrando muito.
     Os outros dois meninos tinham certeza de que o primo estva morto.  Eles não tinham tempo pra perder.  Carregarram o falecido até a casa grande da fazenda, espiaram pela porta principal e  não avistaram ninguém.  Abandonaram o corpo inerte no primeiro quarto da frente e fugiram.  Seja lá o que Deus quiser.
     Morrer o menino valente não morreu.  Senão eu não estaria aqui pra contar esse "causo" que aconteceu com o meu pai.


(texto criado por Hirtis)