sábado, 27 de abril de 2013

Maria Alice

Ao saírmos do útero materno, entramos "de cabeça" neste mundo de Deus. Ai de quem tenta chegar pelos pés! Acaba entalado e chega errado. Começar do jeito certo já é complicado neste mundo cheio de teias, tramas, aranhas. O caminho a percorrer é um labirinto.
E assim

Na ciranda da vida
Tudo passa. Tem de passar
Até quando? Eu não sei
Vou viver. Vou rodar...
A vida de Maria Alice não tem sido nada fácil de uns tempos pra cá. Faltam-lhe dinheiro e saúde. Mas o golpe maior veio do seu filho, a pessoa que mais amou.
Decepção, humilhação
Vieram juntas
De sopetão.
Maria Alice desmoronou. Foi-se retraindo, se escondendo, fugindo de todos, fugindo da vida.
Sentia-se pequenina
Abandonada
Sofrida
Perdida.
Era uma" formiguinha" que de ágil virou frágil.
Vida calada, desbotada, magoada.
Maria Alice não mais comia e pouco dormia.
Aquela noite fora diferente.
A "formiguinha" virou, revirou e
na falta de calor
na falta de amor
na falta de abraço
apagou de cansaço.
"Maria Alice-formiga" desvencilhou-se do cobertor pesado e saiu da cama de mansinho. Pela janela entreaberta entrou um vento frio que ela nem viu. Sentiu medo, arrepio. Foi por ele arrastada léguas mil.
Viaja num trem-bala e num jardim imenso que fala, ela se instala.
"Maria Alice-formiga" tira os pés do chão, entra no mundo da imaginação.
No céu azul bem azulado
Navega sozinha uma nuvem balão
A lua toda lisonjeada
Lumeia o pacotinho de algodão.
O beija-flor assanhado beija rosa
beija cravo
beija jasmim
que tem pétalas de cetim.
A joaninha orgulhosa
mostra o que mais gosta
bolinhas pintadas pretas
no vermelho de suas costas.
Borboletas bailarinas elegantes
bailam no ar, provocam amores
azuis, amarelas, brancas, estonteantes
beliscam de levinho as flores.
"Maria Alice-formiga" esfrega os olhos. Nem acredita no que vê. Mas ali tudo é real, é concreto, é pra crer.
Vejam só o que aconteceu: a borboleta violeta contou à rosa sua paixão. A flor que era branca, avermelhou de emoção. O romance foi só explosão!
Sem mais nem menos, a borboleta sumiu. Ninguém sabe, ninguém viu.
A rosa de saudade suspirava, chorava... e aos poucos" despetalava".
Eis que a fugitiva apareceu. De trás da palmeira chegou cheia de ciúmes. Sofreu:
__" Vi o vento tocando suas pétalas, o zangão cochichando ao seu ouvido. Vi o besouro atrapalhado cortejá-la e o sereno da noite com gotinhas acariciá-la".

De repente lá bem longe
cores surgem além da serra
E o sol começa a despertar
"Maria Alice-formiga" com cheiro da terra
Sabe que é hora de acordar.

Quando nada mais lhe resta
Descobre neste imenso planeta
Onde a vida é sempre uma festa.

E lá no quarto escuro Maria Alice nunca mais acordou...



Texto de Hirtis

A flor que era branca, avermelhou de emoção


















 



segunda-feira, 22 de abril de 2013

Litote

Depois de quinze anos, está pronto pra nascer o quarto filho do casal "Fernandes". É o tal do "temporão".
Os três filhos, já bem crescidos, não acham nada divertida a chegada de mais um morador naquela casa onde não cabe direito nem quem já mora lá.
Dona Joana tem a idéia não tão feliz de dar a eles a incumbência de escolher o nome. Foi o jeito que arrumou pra tentar afastar o sentimento de rejeição.
Na saleta de T.V., portas fechadas, reúnem-se eles não do jeito fraternal e amigável que a situação exige.
Enquanto isso lá na cozinha, Dona Joana prepara o jantar. Ouve berros, chingamentos, cadeiras caindo...
Depois de horas tantas, entre tapas e beijos, olho roxo, cabelos arrancados, sai a decisão:

Nomes tem de montão
Sortear um foi a solução
"LITOTE" é o nome do nosso irmão.

A mãe ri achando que os filhos brincam com as palavras. Mas diante da seriedade que vê estampada no rosto deles, sabe que a coisa não está pra brincadeira. Será que seus filhos não estão com o juízo perfeito?

O sorriso amarelo, a voz embargada e os olhos lacrimejantes de Dona Joana mostram a satisfação que não sente, a mais pura decepção.

Litote nasceu de cabelo vermelho
Pintadinho que nem ovo de tico-tico
Cresceu num salto de coelho
Dando nó até em pinico.

Não é bobo
Feio também não é
É o avesso do avesso
Mas adora cafuné.

É ligeiro, é safado
Espevitado como ele só
Descuidar de LITOTE é arriscado
Na sua cabeça ele dá nó.

Põe fogo no rabo do gato
De branco pinta o louro Zé
Do pai esconde o sapato
Chama o irmão de chulé
LITOTE nunca paga o pato
Põe dúvida em quem tem fé.

Esse menino não é diferente
Esconde até certa amargura
LITOTE não é nome de gente
E sua moeda é a travessura.