terça-feira, 17 de setembro de 2013

Um estranho em minha cama


          Aquele hotel era o mesmo onde Marisa tinha passado sua lua-de-mel.  Casou-se cedo com Lívio.  O casamento durou pouco.  Ela descobriu falcatruas dele no Banco onde trabalhavam.
          Agora, depois de quase cinco anos separados, Marisa volta ao local, a trabalho.
          As lembranças dos momentos vividos ali  com Lívio eram boas, mas dava "graças" por tê-lo denunciado.  "Um ladrão é o que ele era".
          Sozinha, sua primeira noite naquele quarto de hotel foi surreal.  Um estranho invadiu seu quarto e abolotou´se em sua cama...
          Marisa acordou bruscamente com a sensação de que um meteorito tinha caído sobre seu corpo nu.
          Um arrepio gelado percorreu-lhe as entranhas, ao mesmo tempo que suor quente escorria-lhe pelo rosto.
          Seria mais que natural um grito de socorro, manifestação do terror que sentia.  Esse grito não veio; calou-se e ficou entalado na sua garganta.
          Foi então que Marisa sentiu um corpo masculino roçar o seu debaixo dos lençóis.  Prendeu a respiração ofegante, calou o bico e nem abriu os olhos.
          Esperou...
          Seria um louco?  Um estuprador/  Um assassino de mulheres?
          Nesse vai-e-vem do pensamento, um perfume suave e amadeirado penetrou-lhe as narinas e inebriou-lhe o cérebro.
          O corpo másculo e desnudo juntou-se mais ao seu; braços fortes enlaçaram-na com a força de Hércules e a delicadeza de Romeu.  Mãos grandes e macias acariciaram-lhe os cabelos pretos e fartos, que revoltos encobriam-lhe o rosto.  Lábios carnudos e úmidos procuraram a boca da mulher e, encontrando-a receptiva, beijou-a com o gosto e a vontade de um amante apaixonado.
          O fogo acendeu a chama do desejo.  O desejo ardeu, ardido, querido, descontraído.
          Marisa desfrutou o encantamento daquela hora sem censura nem recalques.
          Entregou-se de corpo e alma.
          Um grito de prazer ecoou no quarto escuro.
          Pausadamente a respiração se acalma, os braços se afrouxam e a cabeça tomba no travesseiro abandonado.
         Um sabor de felicidade percorre o corpo, o cérebro, o coração de Marisa.
         Cai num sono profundo e em paz, a mesma paz de uma criança adormecida no berço.

        

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

ASSASSINATO


   Já é primavera.  Despontam os primeiros raios do amanhecer.  Chegam brincalhões.  Esgueiram-se entre emaranhados de galhos e folhas das árvores mais altas.  Acordam pássaros ainda no ninho.  Logo mais, chegam os raios mais poderosos pra completar a obra de arte.  São os pincéis que colorem a natureza.  As flores vão se mostrando cada qual com seu jeitinho, sua graciosidade, sua cor.  As pessoas começam a circular pelas ruas..
            É uma felicidade barulhenta. 

            Ela bate às portas da mansão dos "Rodrigues de Moraes".  Não consegue entrar, como faz todas as manhãs.
            Na cozinha um casal calado toma o café da manhã.  Nem se olham.  Ela abatida, olheiras profunda denunciam que não dormira nada naquela noite.  Ele, vez ou outra, lança-lhe um olhar enfurecido.  Sai apressado para o trabalho e não se despede.
            Maria Cristina e Fernando estão casados há quase trinta anos.  Têm dois filhos: Lucas, formado em medicina e Vitor, que está pra concluir o curso de direito.
            Formam um casal modelo e bem sucedido; ele, administrador de multinacional e ela, psicóloga, presta serviços como orientadora vocacional numa escola alemã.
            Colecionam amigos e sempre sobra um tempinho pra reuni-los em casa.
            Naquele dia, Fernando volta do trabalho mais tarde que o habitual.  Acha estranho...A casa está escura, nem as luzes do jardim foram acesas.  E Cristina sempre o espera pra jantar.
            Entra preocupado e cauteloso;  passa pela cozinha e, ao acender as luzes da sala de jantar, vê Cristina caída aos pés da escada de mármore que dá acesso ao piso superior.  Os cabelos longos e loiros embebedaram-se do sangue que escorreu da sua cabeça e revoltos cobrem-lhe a face.
            Fernando entra em pânico.  Toma-lhe o pulso.  Não há sinal vital.  Cristina está morta.
            A polícia chega logo.  Os técnicos verificam que o corpo não mostra sinais de bala nem de arma branca.  Um corte profundo na cabeça.
            Ela teve um mal súbito e rolou escada abaixo ou se desequilibrou no salto do sapato e despencou lá do alto?
            O corpo é encaminhado ao IML e o laudo diz que a morte fora causada por forte golpe no alto da cabeça.
            A casa é isolada.  Os peritos lá permanecem dias para exame minucioso do local do crime.
            Cristina fora morta na cozinha.  O "luminol" mostrou que o corpo fora arrastado até a escada, simulando um acidente.  Sobre a mesa da cozinha havia um livro de receitas aberto `a pagina 44, todo respingado de sangue.  Ao lado, ingredientes para um bolo de chocolate.  Fora abatida pelas costas, compenetrada que estava na leitura da receita.
            O mistério era grande: não havia sinais de arrombamento, nada fora levado e a casa estava em ordem.
            Vizinhos, amigos e familiares foram convocados pra depor e nenhuma pista surgia pra desenrolar o novelo.
            A casa é liberada e Fernando volta.  Autoriza a governanta Amélia a encaixotar os pertences da esposa.  Seriam doados.
            Numa bolsa antiga Amélia encontra uma agenda do ano em curso.  Abre sem restrições.  Quem sabe encontraria alguma pista.  Esconde-a entre seus pertences e, no dia seguinte, entrega-a ao delegado que investiga o caso.
            Na página correspondente ao dia 19 de setembro, dia anterior ao crime, Maria Cristina escreveu:
            "O relógio marca uma hora da manhã.  Finalmente, hoje consegui contar ao Fernando este segredo que guardo há quase vinte anos.  Dezembro está chegando e a formatura do Vitor também.  Os três envolvidos têm o direito de saber a verdade.  Não consegui olhar nos olhos de Fernando.  Contei-lhe que tive um caso amoroso com Ricardo, esposo de Isabel, nossos melhores amigos.  O primeiro momento foi durante uma viagem que fizemos à Itália.  A atração que sentíamos era muito forte e aconteceu...  Vitor é filho de Ricardo.  Nos próximos dias contarei ao Ricardo e ao Vitor toda verdade. 
            Fernando não abriu a boca o tempo todo; não pronunciou um "ai".  Olhou-me com desprezo e trancou-se no quarto de visitas.  Sei que nosso casamento acabou.  O processo de separação vai ser árduo.  Sou consciente de tudo que me aguarda, mas não podia mais continuar vivendo essa mentira."
            Após a leitura do diário, o delegado não teve mais dúvidas sobre o assassino. 
            Convocou Ricardo e contou-lhe o segredo de Cristina: você é o verdadeiro pai de Vitor.
            E Fernando?  Foi decretada sua prisão.            
            

 
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Cenário

Pelos porões do pensamento
Vagueio buscando seus "ais"

Sufoca-me tal pensamento
Recordá-los quero mais.

                         O cenário que se rompe
                         Me inebria de prazer
                         É paixão desenfreante
                         Que me faz enlouquecer.

Caem do armário embutido
Roupas lançadas ao vento
O paletó enlaça o vestido
Sussurrando  juramento.

                                                    Lençóis brancos retorcidos
                                                    Corpos entrelaçados e nus
                                                     Promessas e gemidos
                                                     Desprezam os tabus.

Boca sedenta busca outra boca
Suga-lhe como se fosse abelha
A lua cúmplice, lá fora brinca
Espiando-nos pela fresta da telha.

                                                                 A vida passou...Foi embora
                                                                 Vejo-me só nesse labirinto
                                                                  Isso tudo foi verdadeiro?
                                                                  Minha alma lamenta, chora
                                                                  Saudade é só o que sinto
                                                                  E no ar o perfume do seu cheiro.

                                                        

segunda-feira, 3 de junho de 2013

Anoitecendo ..........

 
 
 
   Acomodada eu estou na velha cadeira de balanço herança de minha "bisa", na varanda rústica; penduradas no teto, samambaias de metro ostentam ramagens que quase alcalçam o chão e sem querer fazem "cosquinhas"no meu nariz . A paisagem que se descortina a frente
 embala meus pensamentos e recordações.
          O sol, até então imponente, vai se escondendo atrás de flocos de nuvens. Seus últimos raios projetam um amontoado de cores que se combinam, se articulam e desenham uma cortina colorida. A cortina fecha o dia.
           Lá do meio do mato, as galinhas, papo estufado e satisfeito, retornam ao galinheiro. O galo "Furacão", com sua crista vermelho pimenta-malagueta, penas que se mesclam nas cores verde, azul e marrom, pescoço esticado, peito inflado, protege o seu batalhão. E orgulhoso comanda-as ao seu harém. Todas obedientes se acomodam no poleiro.
           Casais de pássaros retornam ao ninho, onde filhotinhos os aguardam desprotegidos e famintos. Outros, sem destino, procuram um galho acolhedor.
            Sapos coaxam, a gente nunca sabe onde. Os grilos, miudinhos e sensíveis, esfregam as asinhas;  é hora de encontrar sua fêmea, é hora de namorar.
            Uma brisa mais que leve toca meu rosto e despenteia meus cabelos já brancos e ralos. Balança as folhas do castanheiro-da-índia e as flores vermelhas do flamboyant, plantados no caminho entre a varanda e o portão amarelo de madeira.
            Folhas e flores já ressequidas pelo sol e pelo tempo se soltam dos galhos, perambulam por aí e encontram repouso no chão de grama verde.
            A coruja barulhenta pia forte. Avisa que a noite chegou.
            A lua aparece cheia.
            O céu começa a piscar pra mim.
            O perfume da noite... uma sonolência gostosa...O barulho do livro que despenca do meu colo...
           Adormeço em paz.
           Não acordo nunca mais.          

segunda-feira, 27 de maio de 2013

Festa no céu



             A tecnologia e toda sua parafernália invadiu o espaço celestial. Computador, Ipad, Ipod, câmeras estão espalhados por toda parte.
             Os anjos responsáveis por uma pequena comunidade brasileira estão inquietos, apreensivos, com "as asinhas entre as pernas".   Acabam de receber email curto e grosso do "Supremo Soberano". Uma reunião de emergência fora marcada para o dia seguinte.
             A pauta discutida fora:
1- a partir dos registros das câmeras espalhadas, verificou-se que a grande maioria de celebridades, artistas famosos e políticos das últimas gerações não se mostravam ambientados no  "paraíso".  Apresentavam sintomas de prepotência, vaidade, insatisfação, depressão, confusão mental.
 2-missão dos anjos: organizar uma festa de arromba para estes brasileiros, sem a preocupação com gastos de decoração e serviço de "buffet"; 
  3- Recomendações: todos indistintamente deveriam ser tratados da melhor forma possível.
             O combinado fora cumprido.
             O salão esta deslumbrante. Flores as mais exóticas enchem vasos de cristal. Luzes de todos os tons se misturam num vai-e-vem alucinante, desenhando no espaço, ora uma cascata cristalina, descendo do alto do penhasco, serpenteando entre pedras do caminho até chegar espumante e vitoriosa no ribeiro que a acolhe e a leva pro além; ora as luzes se misturam fazendo aparecer um bando de borboletas beliscando flores que suspiram de prazer; ora tudo fica negro e surge uma revoada de pirilampos como se fossem lanterninhas voadoras e saltitantes.
            Os convidados vão chegando e uma orquestra os recebe ao som da quinta sinfonia de Beethoven.  Todos acomodados, as portas se fecham. Do alto uma voz rouca e dominadora:   
            -- "O espetáculo vai começar".
           Assim que um anjo assume o microfone para comandar a festa, outro chega e cochicha ao seu ouvido.
           --  Senhores e senhoras, temos um retardatário.
           Todos os olhares se voltam para a porta que range ao ser aberta. Respiração descompassada, suor escorrendo pelo rosto, roupa desalinhada, entra Tim Maia. Riso geral. Desinibido como sempre foi, solta o vozeirão. Canta à capela e arrasa.
           O anjo apresentador assume o posto e informa:
           --   Teremos um momento importante. Fechem os olhos e reflitam... Reflitam sobe a vida que viveram. Será dada oportunidade àqueles que tiverem algo a comentar.
           A primeira a se manifestar foi Hebe Camargo, brilhando mais que sol em verão de 40 graus.   Levanta-se e caminha com dificuldade ante o peso das jóias que ostenta; mais parece vitrine de exposição em joalheria. Torce o pé e o salto que era um "Luis XV" quebra e fica entalado nas nuvens.   Mantém a pose e caminha mancando.A espontaneidade, sua marca registrada, evaporou. Séria, sorriso amarelo, voz embargada, desata a falar:
                                     A menina simples que eu era
                                     Conquistou fama, prestígio, riqueza.
                                     Achava-me uma princesa
                                      Que nada! Só quimeras.

Faço hoje um desabafo
Tanta jóias, dinheiro acumulado
Pensei só em mim... Vaidade.
E o que deixei plantado?
Ouro, brilhante, esmeralda, rubi
E um palácio no Morumbi.

                                       Crianças abandonadas
                                       Velhinhos indefesos
                                        E o meu dinheiro?
                                        Tá lá no banco aumentado.

                                                                               O tempo vai passar
                                                                               O meu nome vai apagar.
                                                                               Talvez na mente de algum velhinho
                                                                                Serei lembrada: a mulher do selinho.

            Lá no fundão surge um coral nota mil.
                                              Tom jobim, Vinícius, Nara Leão,
                                               Noel Rosa, Ataulfo, Cartola,
                                               Adoniran, Elis e Gonzagão.
                                                Pegamos nossa viola
                                                Música fizemos com inspiração
                                                O povo canta, aplaude, não esquece
                                                 Cumprimos nossa missão.
 
                O apresentador convoca o político Celso Pitta a dar depoimento.
                             O negro vira vermelho
                             Lacrimeja,
                             Gagueja
                             E humilde, cai de joelho.

                                                   Eu era homem honesto
                                                   Tinha família feliz.
                                                    Levaram-me pra política
                                                    Nem acredito no que fiz.

                                  Apadrinhado por Maluf
                                  Raposa esperta, voraz
                                  Ensinou-me tantas gafes
                                  E a roubar como ninguém faz. 
 
                                                                   Minha maior tristeza
                                                                    É servir de gozação
                                                                    Ter meu nome lembrado
                                                                    Como sinônimo de ladrão.
            O anjo apaga as luzes e tudo fica branco. Portinari, Anita Malfati, Di Cavalcanti  jogam pro alto potes de tinta; dedos ágeis como se pincéis fossem manipulam as cores e no ar nasce obra de arte.
                       Renato Russo, Cazuza, Raul Seixas gritam:
                       Ultrapassamos todos os limites
                       Do corpo, da alma desenfreada, colorida
                       Fomos tolos, inconsequentes
                       Pagamos caro. Foi com a vida.

           Como não podia deixar de ser, o Sr. Jânio da Silva Quadros tinha o que falar:
                                                                                                               Assumi a presidência
                                                                                                                Renunciei.
                                                                                                                Fi-lo não porque qui-lo
                                                                                                                Não havia jeito
                                                                                                                Desanimei.

                                                                                 Cortem-me a língua
                                                                                 Ceguem-me os olhos
                                                                                 Ainda assim escreverei.
                                                                                 Trair a nação? Jamais.
                                                                                  O exército armado e forte decretou:
                                                                                   Presidente.... Nunca mais!
           Se o discurso colou, nunca saberemos.
           Lá na frente um pessoal esfusiante chama a atenção. Os olhares se voltam e encontram Golias, Nair Belo, Mussum, Grande Otelo, Dercy Gonçalves e a "Perereca da Vizinha" transforma a festa num grande carnaval.
           Para o encerramento, aquela voz rouca e dominadora se fez ouvir outra vez:
          __Reflitam:
                                       " O que é que fazia você feliz?
                                          O que é que você fez pra ser feliz?
                                           Frutos contaminados ou saudáveis?
                                           É agora... Eu os colherei..."

Texto escrito por Hirtis Lazarin