terça-feira, 21 de junho de 2011

"Coisas que acontecem entre casais"

     Honório e Amélia formavam um casal bonito.
     Ele, um advogado criminalista, muito respeitado nos meios jurídicos pela lisura e competência.
     Amélia, uma mulher bonita e elegante, vinha de uma família tradicional paulista, os tais "Barões do café", criada com muito luxo e mimo.  Felizmente casara com o homem perfeito, capaz de dar continuidade àquela vida de riqueza e conforto.
     Não tiveram filhos.  E, apesar da intensa vida social que a posição lhes proporcionava, jantares com ilustres, festas, reuniões... a vida caíra na rotina.
     Honório trabalhava além da conta e Amélia compensava a solidão nas compras; tornara-se uma consumidora voraz e compulsiva.
     Estava no "shopping", numa loja de grife masculina; comprava um presente a Honório; estava chegando o dia de seu aniversário.  Encontrou-se ali, por acaso, com Gustavo, amigo da família.  Ele estivera fora do Brasil nos últimos cinco anos, presidindo na Inglaterra  uma multinacional.
     Cavalheiro, de gosto refinado e expert em moda, foi solicitado pra ajudá-la nas compras.  Claro, ele não recusou o convite e o bate-papo continuou num café expresso.
     Entre um café e um "cupcake" não só os assuntos foram colocados em dia...  Surgiu o convite para um novo encontro...  Mais outro...  E foi assim que Amélia e Gustavo tornaram-se amantes.
     Amélia parecia outra mulher; até as ajudantes do dia-a-dia recebiam um novo tratamento. Rejuvenesceu por dentro e por fora.  Vivia cantando.  Era uma amante de primeira, dentro e fora de casa.  Não podia levantar suspeitas.
     Honório que não era bobo nem nada, claro, percebeu a transformação.  Mas Amélia era cautelosa, sabia manobrar a situação.
     Era quinta-feira, uma tarde mais que especial.  Gustava voltava de uma viagem de negócios que durou um mês.  Trouxera à amante um belíssimo casaco de vison.
     O tal casaco, sonho de consumo de muitas mulheres, tornou-se um pesadelo à Amélia.  Como levá-lo pra casa?  De jeito nenhum.  Mentir ao marido que havia comprado, nem pensar.  O coitado estava com dívidas atrasadas; os limites dos cartões de crédito foram estourados por ela.
     Pintou-lhe uma idéia brilhante: passou na Caixa Econômica Federal e penhorou o casaco.  Conseguiu uma boa quantia em dinheiro.  Perfeito!
     Em casa, convenceu Honório da sua boa intenção: com dor no coração, penhorara aquele conjunto de esmeraldas, relíquia de família; queria  colaborar com  o pagamento das contas; não era justo ele estar passando por tais sufocos por conta dos gastos excessivos, que ela, inconsequentemente, provocara com compras desnecessárias.              
     Até que Honório ficou comovido com o despreendimento de Amélia, num primeiro momento.  Sabia o valor efetivo daquela jóia, que pertencera a sua bisavó.
     Mas...uma pulguinha instalou-se atrás da sua orelha e ali fixou morada.  Milhóes de pensamentos e suposições.  Ficou mais atento às saídas da esposa, voltava pra casa em horários diferentes, alterou sua rotina de trabalho...
     Numa tarde qualquer, chuvosa e muito fria, Honório telefonou a Amélia.  Intimou-a carinhosamente a dar um pulo até o escritório.  Convenceu-a.  Tinha uma boa novidade.  Curiosa como toda mulher, deixou a má vontade de lado e não demorou quase nada pra chegar lá.
     Estava ansiosa.  Nunca havia acontecido qualquer situação semelhante àquela.
     __ Tenho um presente pra você, meu amor.  Hoje é um dia especial!
     __ Presente, Honório?  Será que me esqueci de alguma data importante?  Você me deixou encabulada!
    Ele entegou-lhe uma caixa grande.
    Amélia balançava a caixa, virava, revirava, tentando adivinhar o conteúdo.  Nenhum ruído.  A excitação aumentou; arrancou bruscamente a fita e rasgou o papel que tão delicadamente ornava a caixa.  Dentro da caixa grande havia uma outra menor e uma cartinha; mas era estranho, o papel estava amassado e amarelado.  Coisa antiga.
     Desprezou o papel dobrado e abriu a caixa menor.  Não podia ser!   Pálida, sem cor, caiu  numa poltrona que, por sorte, estva bem atrás dela, tendo nas mãos... aquele famoso conjunto de esmeraldas.                                                       
     Honório grita a sua secretária solicitando, com urgência um copo com água.
     A funcionária obedece e num instante, assustada, entra na sala vestindo um lindo casaco de vison.
    Amélia infarta.


NOTA:  O bilhete que Amélia não conseguiu ler, escrito num papel velho e amassado, dizia assim:


A você, Gustavo
  meu único amor


                                                  Estava sozinha
                                                  Mais do que precisava
                                                  Mais do que podia dar conta.

                                                                    Chegou VOCÊ de surpresa
                                                                    Pegou-me de jeito
                                                                    Não hesitei, me entreguei
                                                                    E de pronto te amei.

                                                                                      Um brinde de vinho tinto
                                                                                       Só nós dois nos escombros da lua
                                                                                       Ao sentimento que tanto sinto
                                                                                       À minha vida que é só sua!
 
    
                                                                                             (para sempre,
                                                                                                         sua Amélia)
                                                                                                                                     S.P.27/maio/1972

Obs. Gustavo querido, guarde-o
         sempre juntinho de você
                                                                                                   



    

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HIRIS LAZARIN