__ Mamãe, estamos com fome!
__ Estudem só mais um pouquinho. Enquanto isso, preparo um lanchinho bem gostoso pra todos nós.
__ Oba! Mamãe, você é demais! É dez!
Flávio e Ricardo são amiguinhos de longa data. Estudam no mesmo colégio desde o prezinho e, agora, aos nove anos, cursam o quarto ano de ensino fundamental.
Terão avaliação de matemática no dia seguinte. Helena, mãe do Flávio, é professora de matemática, mas não exerce a profissão no momento. Os meninos estão resolvendo exercícios e problemas matemáticos. E pra qualquer dúvida, lá está ela de prontidão pra ajudá-los.
__ Crianças, podem vir. Já está pronto o nosso lanche.
Os meninos saem do escritório em disparada, derrubam uma cadeira, batem na mesinha lateral ao sofá grande, o vaso de cristal cheio de água e flores balança, balança e milagrosamente não cai. Água escorre pela mesa, cai no chão e forma uma mancha no tapete persa de cor vermelha. Coisas de moleque!
Luiza, a filha de quatro anos, vem do quarto, onde brincava com as bonecas e se junta ao grupo esfomeado.
Os olhinhos marotos e curiosos dos três percorrem as delícias expostas na mesa prontas pra serem devoradas: bolo de cenoura com cobertura de chocolate que Helena preparara no dia anterior, pãozinho de queijo bem mineiro, bolacha salgada, requeijão, suco de laranja e achocolatado. Pra ninguém botar defeito. As boquinhas salivam igual cachorro na frente de um belo pedaço de carne.
Já acomodados, o assunto dos meninos gira em torno de carros de corrida. No domingo anterior, estiveram em Interlagos acompanhados dos pais assistindo à Fórmula 1.
Luíza gulosa e tagarelando sem parar, encheu a boca com um pão de queijo inteirinho.
__ Come devagar, Luíza. E não fale de boca cheia.
É que Luíza tentava entrar na conversa dos meninos, mas era ignorada.
__ Por que eu não fui com o papai a essa corrida?
__Você é muito pequena e não estende nada de carro e de pista, retrucou Flavinho.
Ela fez biquinho, carinha de choro e ameaçou sair da mesa, mas Helena estava aí para por ordem nas coisas.
__Pra compensar, minha filha, vou levá-la ao cinema no sábado. Vamos assistir a "Alice no país das maravilhas.
Luíza fica feliz e um sorriso largo e gostoso aparece naquela carinha bochechuda. Linda como ela só.
__ Ricardo, você viu a revista de carros deste mês com os novos lançamentos do ano? Pergunta Flavinho.
__ Ainda não. Você tem?
__ Claro. Papai compra assim que sai nas bancas. Sabe, quando eu crescer, vou comprar uma Ferrai vermelha pra mim. È tudo o que mais quero.
__Flavinho, você me leva pra passear? Pergunta Luíza na sua inocência.
__ Vou pensar. Se você for sempre boazinha pra mim...
__ Mamãe, fale pra ele me levar...
Nessa altura, as vozes já estavam bem elevadas e Ricardo grita pra ser ouvido:
__ Quando crescer, eu vou comprar uma Limusine pra mim.
__ Mamãe, o que é "Lusine"? Questiona Luíza.
__ É Li-mu-si-ne. _ Flávio soletra bem alto.
__Papai já comprou um carro desse?
__ Não Luíza, é um carro muito grande e muito caro. Tá vendo como você não entende nada de carro?
__ Flávio, entenda que sua irmã é apenas uma garotinha de quatro anos e muito esperta. Não quero ninguém gritando com ninguém.
__ Ricardo intervém:
__ A Limusine é tão grande, tão grande que dentro dela cabem muitas pessoas. Tem frigobar, televisão a cabo, telefone fixo, CDplayer, MP3, MP4. Maravilha! É como se fosse a sala da gente quando recebemos visitas.
Com carinha de espanto, a menina não desiste e pergunta:
__ Isso existe de verdade, mamãe? Como eu nunca vi?
__ É verdade, sim. Existem poucas Limusines e poucas pessoas têm dinheiro pra comprar. E quem compra, usa só em ocasiões especiais.
Outro dia, numa revista especializada em carros especiais, li uma reportagem que falava sobre a maior Limusine do mundo. Foi construída por um norte-americano, nos anos 90. Ela tem mais de 30 metros de comprimento e 24 rodas.
__ 24 rodas? Maior que um caminhão que transporta cargas pesadas? __Questiona Ricardo, interssado no assunto.
__ Isso mesmo. Muito maior...
Essa Limusine nem pode circular pela cidade por conta do seu tamanho. Ela fica guardada na garagem. __Explica Helena.
__ O que tem a ver o tamanho, Dona Helena? Eu não entendo por quê. Ônibus também é grande
__Mas essa Limusine é bem maior que ônibus. E com esse tamanhão, pode atrapalhar o trânsito e provocar congestionamento. Já pensou estacionar uma Limusine na zona azul? Ocuparia o espaço de nem sei quantos carros.
Luíza fica pensativa e solta essa:
__Grande coisa ter um carro desse!
Flávio complementa:
__ Agora você acertou, Luíza. Carro é pra passear, viajar, divertir e não pra ficar guardado na garagem igual aquela boneca que voce nem tira da caixa...
__ A boneca é minha e eu faço o que quero com ela.
__ Sabe, vamos parar com esse assunto. Vocês terão que comer muito feijão, crescer muito, estudar muito mais ainda até chegar o dia de cada um de vocês comprar um carro. O papo tá bom, vocês já estão de barriguinha cheia, vamos voltar aos estudos. Vocês dois têm ainda uma página inteira de exercícios pra resolver e eu quero corrigir todos. Não se esqueçam: a avaliação é amanhã.
Os meninos saem saltitando da mesa e Luíza volta ao quarto brincar com as bonecas.
Enquanto Helena põe ordem na cozinha, seu pensamento viaja até o seu tempo de criança. Sem perceber, pensa alto:
__ Como é bom ser criança! Com pureza e ingenuidade, a criança transforma sonhos, os mais impossíveis, em verdades num estalar de dedos. Imagine só, quando menina, eu contava pra todo mundo que seria a primeira astronauta mulher a viajar pro espaço. Em 1969, quando uma nave espacial americana desceu em solo lunar, eu fiquei quase louca de tanta emoção. A partir daí, nunca mais deixei de ler jornais e revistas sobre o assunto. Eeu não entendia porque todos riam de mim, apesar de concordarem com meu sonho.
Luíza grita lá do quarto:
__ Mamãe, você está falando comigo?
Esperou um pouquinho e como não obteve resposta, pé ante pé, foi até a porta da cozinha bem de mansinho, ficou escondidinha, observando sua mãe, que continuava divagando:
__Pena que não podemos parar o tempo. O adulto complica demais coisas tão simples e pequeninas.
__ Luíza resmunga baixinho pra não ser descoberta no seu esconderijo:
__ Acho que a mamãe está ficando biruta, coitada. Deu pra falar sozinha. Papai precisa saber disso. Ela está precisando urgentemente de um médico.
__
Neste"espaço", divido com meus amigos um pouquinho de mim, um pouquinho do que gosto e acredito. E quero compartilhar com eles as pessoinhas que me fazem feliz e que me fazem acreditar na possibilidade de um mundo MELHOR.
terça-feira, 5 de outubro de 2010
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HIRIS LAZARIN