sábado, 8 de setembro de 2012

Devaneios


                                       "DEVANEIOS"

            Acordei assustada achando que dormira demais da conta.   Perderia pela segunda vez a consulta com o cardiologista?   Pulei da cama num salto só, abri a janela, a luz intensa do sol me cegou e a altura dos treze andares onde moro não me impediu de ouvir o canto de um bando de bem-te-vis que fizeram morada no pé-de-manga que sobrou no quintal do casarão da esquina.
                   O relógio só marcava seis horas.   Era cedo e o tempo não me atropelaria.
                   Saí de casa e tudo contribuia ao meu favor.   Assim que entrei na Avenida Paulista, o movimento dos carros era pequeno o que me possibilitava vislumbrar ao longe um festival de  semáforos ostentando luzes verdes, como se fossem bagos de uva não amadurecidos jogados ao léu e amparados magistralmente.
                   Cheguei ao consultório com sobra de horário; na verdade nunca gostei de chegar aos compromissos com horário apertado.   Isso me deixa ansiosa pelo resto do dia.
                    Pra preencher o tempo de espera, peguei uma revista - "SERAFINA" - a primeira capa que me chamou a atenção pelo colorido e brilho do papel.   Parei na página onze.   Enfeitiçada.   O vermelho carmim pintava-a em tons que variavam conforme a proximidade maior ou menor da luz.   As imagens se sobrepunham ora mais brilhantes ora mais foscas.   O cenário me aprisionou e num instante mágico me transportei no tempo e no espaço.   Vi-me aos sete ou oito anos, debruçada no peitoril da janela do meu quarto, observando mamâe de avental amarelo e galochas de borracha aguando as roseiras do jardim da nossa casa.   As brancas e as amarelas não eram as minhas preferidas; suas hastes frágeis arcavam-se quase encostando no chão e as pétalas viçosas, em poucos dias, desfolhavam.   A dona do meu coração era diferente: sua haste cravejada de espinhos pontiagudos era mais grossa, mais resistente; crescia mais alto que as outras e, bem ereta, num porte altivo, ostentava rosas aveludadas e pintadas de carmim grená.  Mamãe as chamava de "Príncipe Negro".   Acho que foi o primeiro príncipe da minha vida.
                    De volta á pagina onze, ainda sentia aquele perfume intenso impregnado no ar.   E mais... Vejo brotar do meio das pétalas desfolhadas cor da paixão e espalhadas por toda a página um relógio de ouro - um "CARTIER".   Não foram necessárias palavras nem mensagens escritas.   Na "HORA" certa ele apareceu, se entregou e eu me apaixonei.
                    Foi meu segundo príncipe encantado.    


Texto escrito por  Hirtis
                    

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HIRIS LAZARIN