quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Dupla Personalida

                                               
                                                    "DUPLA PERSONALIDADE"

      O som forte e repetitivo do bate-estacas interrompe meu sono.  Viro pro outro lado.  Ainda é muito cedo.  Tento dormir, mas nada.  Não aguento mais a tortura dessa construção aqui pertinho.
      Melhor sair do meu esconderijo e caminhar para a vida.  Ando por becos conhecidos e outros não.  Gosto do novo, do desconhecido.  Encontro um trecho subterrâneo alagado.  Tenho que dar um pulo certeiro.  Se errar morro afogada.  Alcanço a luz do dia que quase me deixa cega.  Ando sem roteiro e paro dentro de uma igrejinha, rua sem saída. Idosos entoam cânticos de louvor e agradecimento.  Presto atenção.  Não ouço nenhum pedido.  Será que essa gente perdeu a esperança?
      Saio antes do final da cerimônia e aqui fora a cidade fervilha de gente indo e vindo, andando a passos largos ou correndo, fazendo sinais, de guardas apitando nos cruzamentos, camelôs gritando seus produtos.
      E eu, pequenina e sensível, não posso me descuidar de todos aqueles pés, vestidos de botas, de salto alto, salto grosso, salto agulha.  Eles poderiam, mesmo sem querer, me esmagar pra sempre.
      Deus meu!  Minha lucidez não combina com tanta loucura...
      Fujo.  Paro diante de um prédio alto e antigo, bem conservado, paredes grossas, portas de ferro maciço.  Uma fortaleza medieval.
      Olho-o de ponta a ponta.  Ele me atrai.  Tenho a sensação de já ter estado ali antes.  Resolvo conferir.  Tomo o elevador com várias pessoas e , nem sei porquê, desço no décimo quinto andar.  A porta número 153 me atrai. Nela eu leio Dr. Ramon - psiquiatra.  Instantaneamente, forma-se no meu cérebro a imagem do Dr. Ramon: homem moreno, alto e encorpado, cabelos lisos e fartos jogados pra trás.  Estaria eu tendo alucinações ou eu já o conhecia?  Não sei responder.
      Empurro a porta devagarinho, sem ´ruido e ouço vozes vindas de outra sala conjugada.  Escondo-me atrás de um armário.  Aparece a secretária.  Organiza prontuários, descarta papéis e no vaso branco leitoso coloca flores frescas.
      Chega uma jovem grávida, depois um rapaz aparentando uns vinte anos, cara fechada e triste, olhos voltados pro chão, desânimo total.  Por último entra um casal charmoso e elegante.  O  nome dele é Henrique, ouvi bem quando sua companheira cochichou:
      _Tudo vai ficar bem, Henrique.
      Henrique vestia´se como executivo bem sucedido: terno de linho, camisa de seda pura e sapato de cromo alemão.  Presto atenção à conversa dos dois e fico sabendo que acabaram de voltar de Milão, onde participaram do lançamento de moda masculina para o inverno próximo.
      A secretária convida-o a entrar no consultório.  Há um momento tenso. A grávida questiona sua prioridade no atendimento.  Helena resolve rapidinho.  Há um agendamento a seguir.  Aproveito esse momento confuso, entro no consultório e me escondo num espaço pequeno onde posso ver e ouvir tudo sem ser considerada uma intrusa.
      Dr. Ramon, sentado a mesa, folheia uma revista, aguardando o paciente.  Nem notou minha entrada.  Quando ele levanta a cabeça, levo um susto.  Ele era exatamente igual ao homem criado por minha imaginação.
      Henrique entra, não fala nada e se joga no divã verde-oliva.  Cotovelos apoiados nos joelhos, esconde o rosto com as mãos.  É assim que ele fica.  O terapeuta espera pacientemente até o momento em que ele decide se mostrar.  Henrique levanta-se bruscamente, joga o blazer displicentemente sobre uma poltrona (escorrega e por um triz, não me abate ali no chão), tira a camisa, os sapatos e se joga novamente no divã.  Suspira profundamente como se estivesse se libertando de amarras sufocantes. 
       Esperneia e desabafa.  A maneira de falar, o sotaque, as palavras usadas, tudo é tão diferente.  Fala como um homem simples, comum e evidencia pouca cultura na maneira de construir as frases e de expressar seus sentimentos.
      O tempo passa e o choro também.  Henrique levanta a cabeça e fixa os olhos nos olhos do
 terapeuta.  Esse não é mais o homem que vi na recepção.  Testa franzida, sobrancelhas curvadas pela contração muscular, bochechas infladas e respiração ofegante  desnudam outra pessoa.  Mostra-se inseguro, desprotegido e infeliz.
      Meu deus!  Nem eu que tenho sangue de barata posso ficar indiferente  a uma situação inusitada como esta.  É o retrato do sofrimento.  Fico incomodada.  
      Não consigo permanecer ali nem mais um minuto. Saio quase  voando, desço as escadas e exausta chego às ruas.  Preciso voltar.  Um endereço certo e completo me vem a mente.  Vou andando e percebo que conheço esse caminho na palma da minha mão.  Chego lá.  Aquela casa?  Eu já conheço.  Tento tocar a campaínha.  Não consigo alcançá-la.  Foi instalada alta demais.  Bato à porta usando a pouca força que ainda me resta. 
      A porta se abre.  Dois jovens e um homem maduro e grisalho correm ao meu encontro.  Num gesto zeloso levantam-me do chão, onde eu arrasto minhas patas frágeis e delicadas.
      Entrego-me sem medo e sem reservas.  E antes de perder os sentidos, consigo ouvir:
      ___Filhos, a nossa Tereza teve recaída.  Precisamos com urgência do Dr. Ramon.


Texto escrito por Hirtis
   
     

sábado, 8 de setembro de 2012

Devaneios


                                       "DEVANEIOS"

            Acordei assustada achando que dormira demais da conta.   Perderia pela segunda vez a consulta com o cardiologista?   Pulei da cama num salto só, abri a janela, a luz intensa do sol me cegou e a altura dos treze andares onde moro não me impediu de ouvir o canto de um bando de bem-te-vis que fizeram morada no pé-de-manga que sobrou no quintal do casarão da esquina.
                   O relógio só marcava seis horas.   Era cedo e o tempo não me atropelaria.
                   Saí de casa e tudo contribuia ao meu favor.   Assim que entrei na Avenida Paulista, o movimento dos carros era pequeno o que me possibilitava vislumbrar ao longe um festival de  semáforos ostentando luzes verdes, como se fossem bagos de uva não amadurecidos jogados ao léu e amparados magistralmente.
                   Cheguei ao consultório com sobra de horário; na verdade nunca gostei de chegar aos compromissos com horário apertado.   Isso me deixa ansiosa pelo resto do dia.
                    Pra preencher o tempo de espera, peguei uma revista - "SERAFINA" - a primeira capa que me chamou a atenção pelo colorido e brilho do papel.   Parei na página onze.   Enfeitiçada.   O vermelho carmim pintava-a em tons que variavam conforme a proximidade maior ou menor da luz.   As imagens se sobrepunham ora mais brilhantes ora mais foscas.   O cenário me aprisionou e num instante mágico me transportei no tempo e no espaço.   Vi-me aos sete ou oito anos, debruçada no peitoril da janela do meu quarto, observando mamâe de avental amarelo e galochas de borracha aguando as roseiras do jardim da nossa casa.   As brancas e as amarelas não eram as minhas preferidas; suas hastes frágeis arcavam-se quase encostando no chão e as pétalas viçosas, em poucos dias, desfolhavam.   A dona do meu coração era diferente: sua haste cravejada de espinhos pontiagudos era mais grossa, mais resistente; crescia mais alto que as outras e, bem ereta, num porte altivo, ostentava rosas aveludadas e pintadas de carmim grená.  Mamãe as chamava de "Príncipe Negro".   Acho que foi o primeiro príncipe da minha vida.
                    De volta á pagina onze, ainda sentia aquele perfume intenso impregnado no ar.   E mais... Vejo brotar do meio das pétalas desfolhadas cor da paixão e espalhadas por toda a página um relógio de ouro - um "CARTIER".   Não foram necessárias palavras nem mensagens escritas.   Na "HORA" certa ele apareceu, se entregou e eu me apaixonei.
                    Foi meu segundo príncipe encantado.    


Texto escrito por  Hirtis
                    

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

"pedaços ...............da vida"

                                                 
                  "Pedaços ..............................da  vida"  

          
            Era de madrugada.
            Debruçada na janela, olhar vago e cabeça nas nuvens.  O pensamento de Mariana,  sem sentinelas,  voava, ora num voo rasante, ora num voo a perder de vista, ultrapassando todos os limites da razão.  Sua razão sentia fome, abafada e comandada pelos ímpetos do coração.
             Um grito aprisionada na garganta escapa da prisão, rodopia na boca de Mariana e seco estronda no ar.   Atinge uma nuvem pesada, negra e passageira.   A chuva cai e fecunda o chão.




      Texto escrito por  Hirtis                    
                  
              
                                         
      



              

sábado, 11 de agosto de 2012

"Revelação"

                            "REVELAÇÃO"


              "Ele" chega de mansinho pra não assustar.  Chega decidido e até um tanto atrevido, pois não fora convidado.  Se faz presente e atuante.
             Carrega palheta de tintas com tantos nuances que causaria inveja ao mais célebre pintor, pois com certeza por mais que tentasse, jamais conseguira imprimir tanta beleza de cor em suas telas.
              Com o verde quase transparente ao verde-tormenta, "Ele" pincela tenros arbustos e folhagens emaranhadas e presas aos galhos retorcidos de árvores que nos fazem esticar o pescoço pra alcançar o seu topo.  E o pincel não para... Colore as flores e a água, que até então parecia parada e incolor, agora brilha num azul-sereno e desliza adaptando-se aos contornos das pedras que ladeiam o riacho, refletindo os galhos pendentes que lhe fornecem sombra.
              Sua luz invade tocas e ninhos.
              O colorido silencioso desperta.  Pios são ouvidos aqui e acolá.  Pios em tons e volumes diferentes.  De repente um pio mais grave e mais outro estridente.  Os sons vão se ajuntando e se misturando.  Sem partitura e sem maestro a sinfonia acontece.
               "Ele" agora é uma explosão de vitalidade e energia.  A sementinha indefesa aprisionada nas entranhas da terra ganha força.  Explode vitoriosa e se mostra ao mundo.  Frutos amadurecem e pipocam nos galhos, pássaros surgem aos montes, animais abandonam seus esconderijos e borboletas sugam as flores.
               Cor e beleza!
               Som e alegria!
               Vida!
                É o momento da grande revelação!
                Mas o tempo, mesmo sem pressa, passa feliz.
                O "SOL" boceja preguiçoso, se enfraquece e sai de cena, deixando no horizonte um rastro queimado de vermelho.
 
  

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Desencontros

           Ela estava irreconhecível.  O brilho dos olhos atrevidos desapareceu e o sorriso maroto também.  Uma flor no galho demora alguns dias pra mudar de cor, murchar e despencar no chão.  Com Luíza foi tudo muito rápido, a mudança aconteceu de hoje pra amanhã como dizia vovó Vírginia.  Luíza afastou-se de tudo e de todos.  Não tolerava indagações que a deixavam ainda mais constrangida e arisca.  Seu rendimento escolar despencou vertiginosamente.  Os professores percebiam-na ausente, olhar parado e perdido. 
           Andava por onde o pensamento de Luíza?  Era o que todos gostariam de saber.  Os pais recorreram a uma psicóloga que fracassou.  Um "check up" mostrou que a saúde física da garota estava perfeita.  Apesar da grande preocupação, a família resolveu dar um tempo, o tempo que ela, no seu silêncio, pedia. 
           A turma da escola decidiu organizar um baile de máscaras com o propósito de arrecadar fundos para a formatura  do final do ano.  Todos estavam empenhados nesse trabalho e Luíza também.  Sua mãe trouxe-lhe da cidade grande uma fantasia exuberante, a mais bonita que encontrou.
            Durante a festa, Luíza permaneceu sentada o tempo todo.  Nem a alegria dos colegas nem a alegria da músca conseguiram arrancá-la daquele torpor.  A máscara protegia seu rosto molhado pelas lágrimas que não conseguia reprimr.
            Num momento qualquer, Luíza levantou-se  bruscamente, sua cadeira  saltou longe e foi parar no meio do salão. Assim como uma girafa alonga o seu pescoço comprido o mais que pode pra alcançar um fruto bem no alto da árvore, Luíza esticava o seu pescoço, virava a cabeça pra todos os lados e procurava algo...
             Feito um robot começa a caminhar cuidadosamente entre o os  foliões;   esquivando-se de uns,  atropelando outros,  parece seguir uma trilha já marcada no chão; está tão determinada quanto uma abelha que ao sentir o perfume da flor preferida,  encontra-a  sem nenhum esforço escondidinha entre galhos e folhagens.  Luíza chega ao bar do salão e estanca os passos bem atrás de um jovem mascarado que espera  ser atendido.  Ali era o ponto final do seu trajeto.  Chegou bem pertinho até a ponta do seu nariz tocar-lhe nas vestes;  inspirou o ar que o envolvia com tamanha intensidade que o seu arfar fez com que ele se voltasse para trás.  Luíza não tinha dúvida.  Era ele,  Abraçou-o tão apertado  quanto suas forças permitiram; puxou-lhe o rosto junto do seu e o beijou com vontade...com determinação...e com prazer.  O rapaz com dificuldade conseguiu se desvencilhar daqueles braços, tirou a máscara e dois olhos arregalados apareceram.  Teria sido confundido ou estaria diante de uma desvairada?
              Luíza arrancou sua máscara também.  Um sentimento de magia os envolveu.  André não pensou duas vezes.  Juntou seu corpo ao dela com sofridão.  Uma explosão de sentimentos guardados.
               Retiraram-se para um cantinho mais tranquilo onde puderam se entender. André e Luía estudavam na mesma escola e mantinham um namoro quase secreto.  Nesse tempo, o pai de André fora transferido e a família  mudou-se para a capital de outro Estado.  Os dois mantinham contato diário por emails até o momento  em que André recebeu um email mostrando fotos de Luíza abraçada a outro rapaz.  Apaixonado, mas inseguro e morto de ciúmes, acreditou nas fotos, não deu explicações e  ignorou os emails que recebia.
            A inveja de alguém tinha provocado aquele grande equívoco..As fotos que André trazia guardadas no bolso eram de Luíza abraçando seu primo Gustavo numa festa de aniversário. Tudo ficou esclarecido. E uma promessa de confiança selou aquele momento,
             O sofrimento causado pela separação Luíza sentiu diluir-se naquele perfume único, exçlusivo que só André exalava.  E foi esse perfume que a fez acordar, seguir seu rastro e reencontrar o grande amor da sua vida.
           
                                                                                                                     Texto escrito por  Hirtis


Atividade sugerida: construir uma trama onde a personagem descobre algo durante um baile de máscaras.  Essa descoberta poderá mudar sua vida.